quarta-feira, 31 de agosto de 2016

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PALAVRA DO PÁROCO

O Bicho

 “Vi ontem um bicho. Na imundície do pátio. Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato, o bicho, meu Deus, era um homem.” (Manuel Bandeira)
                                                                                                    
16.02.2016

Quem visita as periferias da humanidade, os becos, as favelas, certamente já se deparou com realidade semelhante a do poema de Manuel Bandeira: no corpo esquelético das crianças ou em suas barrigas cheias de vermes, nas filas e nos corredores dos hospitais onde a dor e o desespero se manifestam nos rostos dos doentes, nas vítimas das drogas, do preconceito, da fome - de pão e de atenção -, e da indiferença que é uma das 15 doenças elencadas profeticamente pelo Papa à Cúria Romana em 2014 e, talvez, sejam doenças de toda sociedade.

Este bicho-homem, ou homem-bicho, faz-me lembrar do louco do Evangelho que vagava correndo, gritando pelos cemitérios, pelas ruas, pela vida (Mc 5,1-20); vida devolvida a ele por Jesus que, com misericórdia, volta sempre o seu coração preferencialmente às situações de miséria do mundo e das pessoas: para a pobre e sincera oferta das viúvas, para as ovelhas tresmalhadas, para as moedas extraviadas, para os filhos perdidos, para os samaritanos caídos nas beiras das estradas deste mundo, para os cegos bartimeus, os paralíticos de Betesdas, as filhas dos Jairos, os filhos das viúvas de Naim e desta América Latina, e do Brasil, e do Piauí, e das nossas cidades, e das nossas famílias, e de nós mesmos.

- Oh homem! Quem te transformou em ‘‘bicho’’? Quem te jogou nos porões da vida? ‘‘O lucro e a ambição do capital, o poder do latifúndio’’, nos lembra um dos hinos da Quaresma na Liturgia das Horas, a religião instrumentalizada para favorecer os poderosos como verificou o Profeta Amós à seu tempo e de cujo livro é retirado o lema da Campanha da Fraternidade  deste ano, o jejum feito enquanto se cometem injustiças como denunciou o Profeta Isaias, ou até os sacrifícios hipócritas e as vezes hediondos, que ao invés de agradar a Deus lhes são detestáveis: ‘‘Quero misericórdia e não sacrifícios’’, é o imperativo de Jesus no capítulo 9 do Evangelho de Mateus, o cobrador de impostos.

Quantas religiões, seitas, movimentos que são hoje Templos de Betel, que servem às estruturas caducas e que pregam uma obsoleta cristandade, de excessiva moralidade e que, assim, fortalecem as instituições que promovem as injustiças e as opressões, quando, não raras vezes, se tornam, elas próprias, fontes de injustiças e seus líderes lobos vorazes ao invés de serem pastores que apascentam o rebanho com conhecimento e prudência, conforme Jr 3,15? Rios secam quando deixamos de praticar a justiça e o direito (Cf. Am, 5,24).

- Oh Deus, onde estão os teus profetas? Onde estão os Pedros, os Antônios, os Hélders, as Margaridas, as Dorothys, os Josimos? Os homens profetas e os profetas homens? Os homens espiritualizados, humanizados que como Francisco, o Santo de Assis, e Francisco, o Santo Padre, nos chamam, a todos, a sermos Misericordiosos como o Pai e entusiasmados (cheios de Deus/Theos) a construirmos o Reino e sua justiça, pois a outras coisas nos virão como acréscimo(Mt 6,33), como que “por atração” nos lembra Francisco: “A Igreja cresce por atração e não por proselitismo.” “Procurar, amar e atrair” (S. Bernardo de Claraval).

Neste Ano Santo da Misericórdia, Senhor, volta nosso olhar aos que estão como fome, com sede, nus, estrangeiros, presos, doentes, solitários, pra estes homens “feitos” (hechos) bichos. Que sejamos uma Igreja de portas abertas a estas realidades. Que hoje voltemos nossos corações, almas, energia e trabalhos àqueles que, à época, seguiram Jesus: um bando de publicanos, pobres, pecadores, prostitutas, marginalizados, doentes, pessoas que eram desprezadas pelas classes dominantes de Israel; que os excluídos de hoje provoquem em nós uma verdadeira Metanóia (conversão) quando os encontramos, numa vivência real da misericórdia e do pastoreio, em semelhança à ação de Deus que veio e vem até nós para nos encontrar em nossas fragilidades e limitações.


Senhor, que diante do Alzheimer espiritual, nas palavras de D. Leonardo Steiner, um “progressivo declínio das faculdades espirituais”, não esqueçamos que estais presente no injustiçado, no faminto, no explorado; que não nos esqueçamos que nossas ações de solidariedade a eles – esmola, caridade, atenção, respeito, presença, manifestam e revelam o vosso próprio rosto misericordioso (Misericordae Vultus): “Onde o amor e a caridade, Deus ai está.” Que esta verdade não caia no ostracismo de nossas vidas; que nossa gratuidade aos pobres seja como a bela imagem da fonte citada por D. Leonardo no retiro do clero, que nem mesmo sabe que se dá, mas...sempre se dá”. Por fim, não permitamos que nos roubem a gratuidade e a misericórdia.

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